quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Pelo diálogo: o filosofar e a partilha... , de autoria do Prof. Dr. Silvio Wonsovicz


Vamos iniciar nossas reflexões, investigações e um filosofar vivo com um texto de Fernando Pessoa, que justifica muito bem a necessidade do dialogo sempre:

“Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um outro lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.”

            O diálogo que leva ao filosofar e à partilha de pensamentos e reflexões precisa questionar que tipo de atitude estamos realizando quando conversamos.

   Com / Versar = Com, próximo de outro, num mesmo nivel + versar, dizer a palavra, expressar

Vamos pensar como entendemos e praticamos o diálogo? É como:
-   Competição ou cooperação?
-  Arena ou ágora?
-  Patriarcal ou matriarcal?
-   Totalitário ou democrático?
- Pirâmide ou rede?
-   Negação ou aceitação do outro?
-   Esperteza ou competência?
-   Utilitário ou convenção?
-   Linear ou complexo?
-  Discussão ou debate?
            Vivemos numa grande crise do modelo civilizatório. Há a defesa dos modelos de comportamento e exaltação de valores que vêm da estrutura mecânica da organização social. Temos então, valorizado pela tecnociência: a hierarquia, o controle, a estabilidade, o individualismo, a competitividade, o levar vantagem, a sobrevivência, etc. Essa forma de viver tem desencadeado enormes problemas. Os mais graves talvez sejam a exclusão social e econômica que atinge aproximadamente dois terços da população mundial; assim como as mudanças climáticas que ameaçam toda vida na Terra.
             Toda crise coloca em perspectiva um novo caminho e um novo paradigma, com novos conhecimentos, valores e padrões de comportamentos. Há quem afirme que vivemos uma crise de significado ou “doença do pensamento” – expressão colocado pelo físico quântico David Bohm.
             A saída dessa crise? A prática do diálogo para superação dos problemas atuais e resgate da convivência entre as sociedades, relacionamentos mais consistentes entre as pessoas.
             Estamos filosofando, investigando, dialogando e partilhando o que nos é mais essencial – nossa essência enquanto pessoas. Por isso somente pelo diálogo é que:
-  podemos conhecer as muitas maneiras pelas quais nos interligamos;
-  entendermos que integramos uma única realidade compartilhada;
-  percebermos a natureza contínua das mudanças que ocorrem à nossa volta;
-  compreendermos o significado daquilo que pode parecer uma desordem. Assim com e pelo diálogo poderemos ver os grandes padrões e pensamentos que permeiam nossas vidas cotidianas;
-  construirmos a Comunidade de Aprendizagem Investigativa (C.A.I.), em sala de aula.

O que precisa haver para que aconteça o diálogo?
             Esse exercício de colocar-se “com” os outros requer o desenvolvimento de capacidades e atitudes como:

- deixar de fazer julgamento; 
- aprender a ouvir;
 - colocar-se em uma postura reflexiva

Como fazer que em todas as nossas aulas o diálogo aconteça?
             Algumas atitudes e comportamentos para que a conversação entre nós seja mais criativa e transformadora. Para que com o diálogo possamos formar cada vez mais a C.A.I. em nossa sala de aula:
· Pensar e desenvolver o diálogo sob ideias e aprendizagens compartilhadas, possibilitando diversas respostas e colocações criativas.
· Aprender a ouvir sem resistência, principalmente os pontos de vista discordantes, assimilando os significados das palavras ditas.
· Perceber que a necessidade de resultados pode levar o diálogo para um único resultado e, desta forma, restringir o poder de criação pelo diálogo.
· Respeitar as diferenças entre os participantes, isso não pode separar as pessoas.
· Entender que os papéis e status dos participantes no diálogo não podem impedir de ouvir e falar abertamente, valorizando assim a contribuição das pessoas.
· Compartilhar responsabilidade e liderança no grupo, de modo que todos sejam estimulados a ouvir e falar, garantindo a participação.
· Falar ao grupo todo.
· Participar, quando estiver realmente confiante, pois sua contribuição será útil ao grupo.
· Expressar o que sente e imagina no momento, prestando atenção aos pensamentos dos demais participantes, para buscar ir além da compreensão do grupo.
· Encontrar o equilíbrio entre o questionamento e a defesa. Ambos são necessários para a sustentação do diálogo e a busca do significado compartilhado.
            Pelo diálogo é que filosofamos, refletimos e partilhamos um pouco de nossas verdades, para estarmos abertos às verdades dos outros. Assim ampliamos a nossa compreensão da realidade e construímos um novo pensamento, capaz de atender às nossas necessidades individuais e coletivas.

Na Comunidade de Aprendizagem Investigativa (C.A.I.)
surge, pelo diálogo, uma nova inteligência e ação coletiva.

Vamos fazer em sala um júri simulado ou uma prática filosófica sobre a pergunta:
- Os pais devem ou não deixar os filhos adolescentes saírem com a turma nas noites de sábado?

Certamente esse tema pode gerar muita polêmica. Nessa atividade ninguém escolhe o lado, e terá que defender a posição que cair para o seu grupo. Caso alguém caia no grupo que defende a posição contrária à sua convicção, terá que defendê-la mesmo assim. Essa é uma maneira para treinar nossa habilidade de argumentação. Essa prática em argumentar é denominada prática forense (forense = fórum, tribunal), que é a defesa de alguma ideia, como os advogados fazem. Contudo, é justamente esta conotação de jogo e de disputa que distingue a prática forense da prática filosófica. Vamos ver o quadro abaixo e refletir sobre as diferenças:

Prática Forense (=júri simulado)
Prática Filosófica (=Comunidade de Aprendizagem Investigativa)
1. Há uma busca da invenção daquilo que é o certo.
1. Há uma busca da descoberta do que é o certo.
2. É um jogo. Portanto há o desejo de ganhar do outro, não se importando com a verdade.
2. Não é um jogo. Portanto não há competição. Aqueles que não pensam como eu me enriquecem.
3. Defende-se o lado para o qual fomos designados, não importando qual seja ele, ou se este lado combina com nossas convicções pessoais ou não.
3. Procura-se o compromisso com a verdade dos fatos.
4. O compromisso maior não é com a verdade, mas com a defesa de ideias estabelecidas anteriormente.
4. Não há compromissos cegos com a defesa das ideias preestabelecidas. Se os fatos comprovarem o contrário do que se pensava, muda-se de ideia.

Agora é hora de escolher entre a Prática Forense ou a Prática Filosófica para depois registrarmos as ideias sobre a pergunta:
- Os pais devem ou não deixar os filhos adolescentes saírem com a turma nas noites de sábado?
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O que vem a ser “discussão”?
– O método de comunicação mais encontrado nos relacionamentos humanos. Vem do latim “discutere”, que significa fragmentar, reduzir a pedaços ou quebrar em partes. A internet está repleta de “fóruns de discussão”, muito embora em alguns casos os participantes queiram mesmo é praticar o diálogo. O uso inadequado da linguagem vem dificultar nossa capacidade de percepção da realidade complexa que nos cerca. 

Diálogo
Discussão/Debate
Ver o todo entre as partes.
Desmembrar questões e problemas em partes.
Ver as ligações entre as partes.
Ver distinções entre as partes.
Questionar pressuposições.
Justificar/Defender pressuposições.
Aprender por meio de questionamento e revelação.
Persuadir, vender e dizer.
Criar significado compartilhado por muitos.
Chegar a um acordo sobre um significado.

O que queremos nas aulas de filosofia e na Comunidade de Aprendizagem Investigativa?
– Pelo diálogo como um método de reflexão conjunta, conseguir a observação compartilhada da(s) experiência(s) para ampliar a limitada compreensão individual de mundo. Em outras palavras, a maneira como eu vejo é uma perspectiva única de uma realidade mais ampla. Posso ver com os olhos dos meus colegas, e eles podem ver com os meus, assim cada um de nós verá algo que talvez não veria sozinho.

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* Introdução do Livro - Somos cidadãos reflexivos: filósofos por natureza - 9º Ano. 7ª Ed., Coleção Novo Espaço Filosófico Criativo, 2010.
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 Fonte: O Dia D: Reflexões filosóficas

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Um comentário:

Na Terra e no Vaso disse...

Muito bom seu blog amiga,vou voltar sempre por aqui
Beijos

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