domingo, 28 de março de 2010

A edição é o livro

Fotos Michael Probst/AP e John Macdougall/AFP
DEPURAÇÃO Juergen Boos, diretor da Feira de Frankfurt: com a internet, a filtragem feita pelas editoras é essencial

Chega às lojas dos Estados Unidos no próximo dia 3 de abril o iPad, o aguardado tablet da Apple, a combinação de notebook com leitor digital (e-reader). Esse aparelho, assim como outros do gênero, tenta ser uma opção à relação secular mantida pelo homem com os livros impressos desde a invenção da prensa de tipos móveis pelo alemão Johannes Gutenberg, no século XV. Com a proliferação dos livros eletrônicos, o processo de impressão física está em via de extinção? Para discutir o impacto das novas tecnologias no setor, a Câmara Brasileira do Livro, em parceria com a Imprensa Oficial, convidou especialistas no assunto para participar do 1º Congresso Internacional do Livro Digital, que ocorrerá em São Paulo de 29 a 31 de março. Um dos palestrantes é Juergen Boos, diretor da Feira de Frankfurt, o maior e o mais importante evento do mercado mundial de livros. Na semana passada, dias antes de sua visita ao Brasil, Boos falou ao repórter Luís Guilherme Barrucho.

O IMPACTO DOS E-READERS

O mercado de livros já passou por uma série de mudanças na história. O tempo em que elas ocorrem, entretanto, tem sido cada vez menor. Essas transformações sempre impuseram novos desafios ao setor, mas recentemente se tornaram mais visíveis, porque nos obrigam a encontrar maneiras de oferecer ao leitor os mais diversos conteúdos. Com os dispositivos eletrônicos móveis e compactos, temos a oportunidade de atrair um novo tipo de leitor. Existe uma complementaridade entre entretenimento e educação. A proposta dos livros digitais é, dessa maneira, diferente da dos livros físicos, que devem continuar a existir. Acredito que, daqui para a frente, haverá maior quantidade de conteúdo sendo utilizada em meios diferentes, tanto físicos quanto eletrônicos. Teremos outras plataformas para a leitura que não se restrinjam à forma impressa.

Paul Sakuma/AP
NOVO GUTENBERG Steve Jobs, da Apple, com o iPad: fusão de notebook com leitor digital chega às lojas em 3 de abril

AS NOVAS LIVRARIAS

Há duas maneiras de garantir a sobrevivência das livrarias. A primeira é que elas não se limitem ao comércio de livros. É preciso transformar o espaço de venda em um centro de entretenimento com múltiplas ações de marketing. Nesses locais, seriam vendidos produtos relacionados ao autor, por exemplo. A segunda é que elas devem migrar seus negócios para a área digital, procurando oferecer serviços de alta qualidade. Qualidade é algo que ainda falta na internet. Na Amazon, por exemplo, os leitores podem postar comentários sobre os livros que compraram. Antes de qualquer coisa, entretanto, é preciso entender os assuntos de que eles mais gostam, direcioná-los para o que querem comprar e tornar essa experiência mais fácil e rápida. Uma das maneiras de assegurar essa qualidade é por meio das editoras e das livrarias. Quanto mais formas de acesso ao conteúdo, maior a necessidade de ter instâncias que filtrem esse material e assegurem ao leitor a qualidade do que está sendo produzido. Esse já é o papel atual das editoras e continuará sendo por muito tempo.

RELAÇÃO COM OS AUTORES

O conceito de autoria já não é mais o mesmo. Antigamente, somente literatos ou jornalistas podiam emitir opiniões sobre os acontecimentos mais marcantes da sociedade. Hoje, todos podem se manifestar com facilidade inédita, graças à internet. Esse processo tem sido liderado pelos mais jovens, que já nasceram na era digital. Acredito que muitos desses escritores "virtuais" formarão a nova safra de autores. Caberá às editoras identificar esses talentos. Não será surpreendente ver, com muito mais assiduidade, autores que iniciaram sua atividade na internet. Mas isso não prescinde de um forte exercício de editoração. Haverá mais autores, muitos deles amadores, que necessitarão de uma atenção especial das editoras. É preciso assegurar a confiabilidade daquilo que se lê. Por outro lado, temos visto casos em que grandes nomes dispensam a intermediação das editoras na venda de seus livros digitais. Paulo Coelho é um exemplo. O autor brasileiro negociou recentemente um contrato com a Amazon, sem interferência da editora da versão física de seus livros. Mas ainda é um caso raro. Não tenho certeza de que isso será uma tendência. Mesmo que esse tipo de relacionamento comercial vingue, acredito que somente será popular entre aqueles de maior vendagem.

"Cada vez mais, veremos escritores que surgem na internet. Mas isso não prescinde de um forte exercício de editoração. É preciso assegurar a confiabilidade daquilo que se lê"

PERENIDADE DOS LIVROS

Não acredito na morte dos livros em papel. Simplesmente porque o ato da leitura não é o mesmo, quando feito em leitores digitais. Ler um livro em papel requer uma habilidade especial. A começar porque se leva, pelo menos, meia hora para entender minimamente um contexto. Além disso, há uma forte conexão física entre o leitor e o livro. Essa relação se altera no mundo virtual. Na internet, é comum que se bus-quem informações bre-ves, para ser absorvidas num menor tempo possível. Essa falta de profundidade não se deve apenas ao tipo de plataforma em questão, mas também ao tipo de conteúdo produzido para esse fim. Há alguns fatores que, na minha opinião, permitem uma imersão mais profunda na leitura em papel. O primeiro deles é o próprio hábito. Em segundo lugar, a leitura significa mais do que simplesmente obter informação; representa a essência da alfabetização em seu significado amplo. Ou seja, a possibilidade de não apenas ler as palavras impressas no papel, mas entender o contexto, aprofundar-se nele, refletir e formar uma opinião. Os livros impressos exigem mais, intelectualmente, dos leitores.

O PAPEL DAS FEIRAS

As feiras de livros vão continuar a existir, mas de um jeito diferente. Elas serão mais parecidas a festivais, tais como os grandes concertos de música, e terão grande potencial de crescimento. O contato entre autores, editoras e público continua sendo vital. Os leitores querem conhecer os autores de perto. Por isso, não imagino que teremos feiras virtuais.

O BRASIL EM FRANKFURT

A cada ano, temos um país como nosso convidado de honra em Frankfurt. Na feira deste ano, em outubro, será a Argentina. O país foi escolhido, entre outros motivos, pela imigração europeia. Nossa intenção também foi pôr em destaque a língua espanhola e a cultura hispânica. O Brasil foi homenageado em 1994 e deve voltar a sê-lo em 2013. Mas isso ainda está em negociação e esperamos selar o contrato nas próximas semanas.

Fonte: Revista Veja

sábado, 20 de março de 2010

Um duplo atentado, por Maílson da Nóbrega

"O preconceito marxista contra a propriedade sobrevive nos corações e mentes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e dos formuladores do malsinado programa de Lula"

No Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos, do governo Lula – que contém um amontoado de ideias autoritárias –, há um duplo atentado ao direito de propriedade: (1) aceita-se como natural a invasão de imóveis rurais e urbanos; e (2) viola-se a independência dos juízes, que não mais poderiam emitir liminares determinando a desocupação.
De fato, antes de adotar sua decisão, o juiz teria de realizar "audiência coletiva com os envolvidos, com a presença do Ministério Público, do poder público local, órgãos públicos especializados e Polícia Militar". Ou seja, uma assembleia que poderia intimidar o magistrado.
O direito de propriedade começou a surgir no século XVI sob o impulso do liberalismo e dos ideais iluministas. É parte do conjunto que inclui a liberdade do indivíduo perante a sociedade e o estado. Antes, a propriedade privada já era reconhecida. A novidade foi o estabelecimento de regras que a defendiam do arbítrio e dos predadores.
Levou algum tempo para que o direito de propriedade se firmasse como um dos grandes avanços da civilização. No século XVIII, Rousseau dizia que propriedade é que seria roubo, e não a sua espoliação. No século seguinte, Proudhon falava que ela seria a causa dos crimes e de misérias provocadas pelo homem. Influenciado por essas ideias, Karl Marx atribuiu à propriedade a origem de todos os males.
Por isso, Marx pregou a abolição da propriedade privada e sua coletivização sob controle do proletariado. Foi um desastre. Cerca de 100 milhões pereceram sob o tacão do totalitarismo comunista. Mesmo assim, o preconceito marxista contra a propriedade sobrevive nos corações e mentes do MST e dos formuladores do malsinado programa de Lula.
A entronização do direito de propriedade nas sociedades avançadas (e agora também na China) tem seu marco institucional mais relevante na Revolução Gloriosa inglesa, de 1688, que destronou o rei James II. A queda do monarca contou com amplo apoio popular, que se deveu, entre outras razões, a atos atentatórios à propriedade.
Em obra monumental (1688 – The First Modern Revolution), Steve Pincus assinala inúmeras queixas da população contra esses atos. O Judiciário não era garantia. James II demitiu doze juízes em seu reinado de menos de quatro anos, tanto quanto seu antecessor, Charles II, em 25 anos. Nomeava apenas juízes favoráveis ao absolutismo.
Com a revolução, os reis perderam o poder de demitir juízes. O poder supremo passou da monarquia para o Parlamento, que concedeu independência ao Judiciário e se dedicou intensamente, nos anos seguintes, a rever as restrições à hipoteca de bens e ao uso da propriedade em atividades econômicas.
Nos 150 anos posteriores a 1688, mais da metade das leis aprovadas normatizava o direito de propriedade. Regras medievais que inibiam o investimento foram substituídas por outras que permitiram a agricultores, industriais e comunidades aproveitar as oportunidades que surgiam com o novo ambiente.
Até hoje se discute por que a Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra e não na França, na China ou no Japão. Não há dúvida, todavia, quanto ao papel do direito de propriedade no processo e à sua contribuição para a ascensão inglesa à condição de potência mundial no século XIX.
O direito à propriedade foi consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948). "Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade." Direito de propriedade e Judiciário independente são, assim, faces da mesma moeda. O programa de Lula investe contra essas duas conquistas.
A infeliz ideia foi criticada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A entidade repudia o cerceamento da autoridade do juiz, que ficaria condicionada "à realização de uma audiência pública com viés não raras vezes político, postergando ainda mais a prestação jurisdicional pretendida". Por tudo isso, se não for abortada, a proposta nos levará às trevas.
P.S. – Eu concluía este texto quando se anunciou a possível revisão dessa e de outras propostas autoritárias. Mesmo assim, dado que seus defensores continuam no governo, vale manter o alerta.

Maílson da Nóbrega é economista

quinta-feira, 11 de março de 2010

O Teu não

Por José Fernandes P. Júnior*


“Seja esta a minha última palavra: Confio em Seu amor.”
Tagore



Teu formão desce sobre as imperfeições de minha alma sozinha;
“Por quem os sinos dobram?”
O Teu não é um terrível trovão
na tempestade tenebrosa.
Quem bate à porta?
Ninguém.
O Teu não é um silêncio assustador.
Quem está no barco?
Ninguém.
O Teu não é o abandono no Getsêmani.
Quem caminha agora em Emaus?
Ninguém.
O Teu não é o cálice amargo que deve ser tomado;
O Teu não é o melhor que é incompreendido;
O Teu não é a graça que basta;
O Teu não...




Imagem: http://meusebastian.blogspot.com/2007_09_01_archive.html
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* Professor de Filosofia na rede pública do DF; Bacharelando em Direito e autor de vários artigos nas áreas da Filosofia e do Direito

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