sábado, 14 de novembro de 2009

Respeito é bom

A minha primeira aula de Filosofia foi sobre "respeito", penso que sem respeito não chegaremos a lugar algum. E a nossa educação está como está, pela falta de respeito... do nosso aluno. Respeito já vem de casa.... Leia o excelente artigo da escritora Lya Luft sobre o respeito.
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Respeito é bom

"Sendo humanos, homens, mulheres e crianças, somos ainda animais predadores, querendo ocupar espaço a patadas. A gente precisa ser domesticado desde o dia em que nasce"

Respeito é bom e eu gosto", diz uma das mil frases feitas - esse sutil veneno ou pontapé no estômago - que pontilham nossa sabedoria dita popular. Vale para muitos aspectos da nossa vida. Vamos ver alguns.

Escuto frequentemente a queixa de mulheres de que ainda não são respeitadas como merecem, em seu trabalho ou individualmente. Primeiro, é uma questão de tempo, pois em quase todos os territórios da atividade humana, menos cozinhar e parir, mulheres são novidade. Ainda estamos buscando nosso jeito de trabalhar, de comandar, de usar nossa autonomia.

Certa vez, querendo me elogiar, um crítico escreveu: "(...) é uma excelente escritora, pois, embora sendo mulher, escreve com mão de homem". Isso por si basta para reconhecer a carga de preconceito que sobrevive mesmo entre pessoas com certo preparo, inclusive mulheres, diga-se de passagem, que em geral são os piores juízes de outras mulheres. Se ela faz bem um trabalho (vale para juízas, reitoras, governadoras, vereadoras, motoristas de ônibus, policiais, grandes cirurgiãs etc.), é porque o faz como homem. Quantas gerações terão de passar, para que isso mude?

Esse preconceito é demorado e obstinado, e nós mulheres colaboramos com ele dando nossa melancólica parcela, por exemplo, no jeito como nos portamos, como nos vestimos, como agimos no trivial, ou quando estamos no poder, qualquer poder. Não é por nada que boa parte das propagandas de quaisquer produtos usa mulheres quase nuas ou em trejeitos sensuais: vende, dá ibope, dá vontade de comprar... o que é um modo de poder. Falo com certa frequência na psicóloga que atende seus pacientes de minissaia ou profundos decotes, e digo que, lidando com a alma desses pacientes, a roupa não parece muito adequada. Nada contra a peça de roupa, desde que num corpo adolescente: adolescentes ainda não atendem pessoas com problemas psicológicos.

Enquanto nos portarmos feito crianças pouco inteligentes, ou enquanto nosso maior trunfo forem nádegas firmes, fica difícil reclamar que não nos respeitam o bastante. Estarei dando muito valor a exterioridades como saia, joias, trejeitos? Estou. A aparência é nosso primeiro cartão de visita, dizendo coisas como: eu me acho linda, eu sou sensual, estou consciente disso. O segundo cartão é a linguagem: se eu não sei nem articular direito meu pensamento falando ou escrevendo, não vou ser um grande candidato a um emprego razoável, pelo menos um cargo em que eu precise pensar... e falar.

Pais também se queixam de que os filhos não os respeitam. Um bom começo de diálogo é indagar como eles, pais, se portam em casa. Gentis um com o outro, com empregadas, com os filhos - ou a gente acha que dentro da porta de casa, com filhos, vale tudo, até grosseria e falta de compostura? O comportamento das crianças e adolescentes e seus conceitos sobre o mundo (eles os têm desde cedo, não se iludam!) refletem sua casa. Um pouco incômodo: querendo ou não, somos seus primeiros modelos, e eles percebem muito bem o que é natural e o que é fingido em nós.

Isso se estende para a escola, onde professores suportam violência verbal e física, agressividade, má-educação, hostilidade por parte de alguns alunos - não todos, possivelmente nem a maioria. Se pudéssemos pesquisar a vida familiar dessa meninada, com frequência iríamos constatar que ela apenas reproduz ou continua, na rua, no pátio da escola e na sala de aula, o tratamento que predomina em sua casa. Lá, talvez, os filhos não conheçam limites ou, quem sabe, o pai é do tipo que aprecia um coronelismo ultrapassado.

Observo muita gente, e não só jovens, dando de ombros ou rindo ao assistir a uma entrevista de alguns dos nossos líderes (ou escutando belas frases sobre ética): também na vida pública, o respeito tem de ser conquistado e merecido. Sendo humanos, homens, mulheres e crianças, somos ainda animais predadores, querendo ocupar espaço a patadas. Se pudermos, em vez de falar, rosnamos; em lugar de curtir, cuspimos em cima. A gente precisa ser domesticado desde o dia em que nasce.

Lya Luft é escritora

Fonte: Revista Veja – Edição 2139 – 18 de Novembro de 2009 Foto: 50 anos do Camilo - Acervo pessoal, em 14/11/2009.

6 comentários:

Carlos Albuquerque disse...

Caramba!
Este texto de Lya Luft é de uma grande lucidez.
Em tudo,de acordo!
Só um reparo - na relação Escola,Professores,Alunos e Família, importa, também, não esquecer que muitos professores, hoje, esquecem o que eu penso ser fundamental: a pedagogia da empatia. A empatia amansa...
BJS e abraço daqui

Marise von disse...

Carlos,
Concordo com você, é necessária a empatia.
O respeito mútuo só faz bem a todos.
Além de amansar, trás benefícios para ambas as partes.
Abraços,
Marise.

DANIELA BORALI disse...

Marise,

Fico muitíssimo grata pelas palavras e por fazer parte da minha vida através do “bloguesito”! Mas vamos combinar que nota 10 é você!!! Aliás, nota 1000 pelo belíssimo trabalho que são seus dois blogs!!!
Parabéns e que possamos contribuir para com esta sociedade “louca” que vivemos...
Beijos mil,

Dani

Ricardo disse...

Cara Marise:
Logo no começo do texto, Lya Luft comenta que a sua primeira aula de Filosofia foi sobre "respeito". Lembrei-me do filósofo André Comte-Sponville que indica que "Amar o próximo" pode ser um mandamento exigente demais, entretanto, bastante importante, e talvez mais factível, seria "Respeitar o próximo".
Atendendo esse "mandamento" estaríamos livres de todas as mazelas sociais. Não haveria mais corrupção, violência policial, abandono de menores, pornografia infantil, etc. e tal.
Portanto, se não é uma coisa fácil de fazer, pelo menos é a mais possível fundação para o edifício social.

Marise von disse...

Daniela,

Obrigado pelos comentários, e agradeço pelos elogios. Na verdade, eu gostaria de fazer um bom trabalho, mas tenho pouco tempo disponível.
Acredito que possamos contribuir para a nossa sociedade, cada contribuíção, por minima que seja, faz a diferença.
Cada ação, gera uma nova ação.
Abraços,
Marise.

Marise von disse...

Ricardo,

Agradeço por estar sempre presente e pelos seus comentários.
Antes de postar o texto da escritora Lya Luft, fiz um pequeno comentário.
A minha primeira aula de Filosofia em 04 de julho de 2006, na Escola Antônio Olegário foi justamente sobre respeito.
Minha primeira aula depois de 21 anos formada, sem nunca ter dado aula de filosofia antes...
Foi muito bom.
Ontem, voltando da cidade encontrei um ex-aluno... é sempre uma emoção, são como se fossem meus filhos, a quem eu tentei mostrar alguns caminhos...
Voltando ao assunto "respeito", não custa nada, mas parece ser tão dificil a prática do mesmo.
Um excelente fim de semana.
Abraços,
Marise.

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