terça-feira, 10 de novembro de 2009

As necessidades desnecessárias Franklin Cunha*



“O planeta Terra iniciou sem o ser humano

e seguirá seu curso sem ele.”


Claude Lévi-Strauss (1908-2009)

Quando observamos as justas e insistentes lutas orientadas para a salvação ambiental de nosso planeta, algumas definições, cremos, devem ser estabelecidas. Uma delas diz respeito às relações entre carências e necessidades, ambas historicamente consideradas.

Nada ilustra isso melhor do que a relação mutável entre necessidades naturais do homem e suas carências sociais, levando-se em conta a maior produtividade de bens de consumo, associada à diminuição do tempo de trabalho e à crescente “imposição” de objetos supérfluos como necessidades sociais. Estas, como as carências, são variáveis. Quanto mais as carências históricas, geradas pela capacidade produtiva da agroindústria e dos serviços, são impostas como necessárias, tanto maior é o desenvolvimento da riqueza e esta, sob o ponto de vista material, basicamente consiste na multiplicidade de carências. E a mundialização dos mercados, isto é, o conjunto das atividades, necessidades e carências que o formam, é a base geral do assim chamado empreendedorismo desenvolvimentista. Daí a distinção que se faz entre o crescimento da riqueza causada pela criação da multiplicidade de carências e a imposição manipulatória de “apetites artificiais” (divulgados pela ilusão da “soberania do consumidor”), uma vez que estes são elaborados por um processo de produção alienado das reais carências da maioria da população.

Do ponto de vista da atual ordem socioeconômica, essas novas “necessidades” são tão importantes quanto as necessidades básicas para a sobrevivência do ser humano. Esta fusão entre o “natural” e o “necessário” sancionou e sacralizou o modo de produção dominante e desta maneira tornou-se possível defender e propagar as necessidades desnecessárias.

E, assim, criadas e estabelecidas tais premissas, foram satisfeitas as necessidades do capital, que classifica como bens vendáveis desde a infraestrutura material das nações até a arte, a filosofia e mesmo as pesquisas em ciências exatas.

E aí estão os prósperos meios de comunicação para nos convencer, por exemplo, de que todos os brasileiros são apaixonados pelos 400 modelos de automóveis que estão a aleijar e a dizimar milhares de famílias inteiras a toda hora, graças à destruição programada das malhas ferro e hidroviárias do país, em benefício da indústria automobilística que vai mal em todo o mundo e vai bem no Brasil.

Até quando o caos viário, a atmosfera que respiramos (e os arautos do desenvolvimentismo) suportarão tais irracionalidades econômicas a nós impostas e interpretadas como necessidades vitais?

*Médico

3 comentários:

Ricardo disse...

Cara Marise:
Os textos dos seus blogs são ótimos... até quando não é você que os escreve. De minha parte, portanto, endosso todos os selos que você ganha.
Sobre o texto, especificamente, só reflito - e tenho dúvidas, ainda - sobre quem seria o "culpado", em última instância, desses itens "supérfluos" se tornarem novas "necessidades".
Os investidores dessa "ordem desenvolvimentista"? Os "marketeiros" de plantão, contratados para "empurrar" os produtos recém-tornados-necessários? A própria "evolução", que ocasionou a "fusão entre o 'natural' e o 'necessário'"? A "Sociedade" (com "S" maiúsculo), impessoal? Ou será que somos nós mesmos, indivíduos que não conseguem realmente se individualizar, vivendo a reboque do "impessoal"?
Parabéns pelos blogs.

Ricardo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Ricardo disse...

Marise:
Por favor, exclua um dos comentários. Em função da demora, acabei por clicar novamente, e dei luz a gêmeos. Rsss.
Abraço,
Ricardo.

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