sábado, 8 de agosto de 2009

Qual realidade?, por Carlos Alberto Gianotti*

Foi sobre a dificuldade de se descortinar a realidade objetiva que o escritor italiano Luigi Pirandello, no início do século passado, escreveu uma narrativa singular intitulada Um, nenhum e cem mil. Diz Pirandello que por mais que nos esforcemos sempre expressaremos a realidade do nosso modo; enxergamos os fatos e os agentes com os nossos olhos e não como o agente se percebe. Assim, nas crises de lá e daqui, as realidades do senador Sarney ou da governadora Yeda Crusius – quer no aspecto dos interesses pessoais, pelos quais cada um de nós luta, quer no aspecto dos interesses políticos, pelos quais todo político luta – divergem das percepções da mídia ao apresentar presumíveis fatos, ou do MPF ao fazer as suas considerações sobre eles. Cada um preenche as palavras com um sentido, tanto ao dizê-las quanto ao ouvi-las. Se Pirandello, em seu livro, leva-nos a considerar que somos um ou nenhum ou cem mil, isto é, somos múltiplos, Eduardo Giannetti, em suas obras Autoengano e O Mercado das Crenças, assinala que o ser humano está sujeito ao autoengano, quando julga a si mesmo e aos outros, por força de suas paixões. É com tranquilidade que inculpamos o próximo; difícil é assumir a responsabilidade pelo que fizemos, quer dizer, somos portadores da verdade, ao passo que o outro está mergulhado no erro. A paixão cega embacia o que pode ser a realidade e se passa a enxergar apenas aquilo que se deseja: o apaixonado realiza um julgamento viciado pela própria paixão. Já o psicanalista Abrão Slavutzky, que seguidamente comparece nesta página de ZH, está terminando um livro de ensaios no qual aborda precisamente a temática do “quem somos” pelo olhar do outro e segundo a nossa própria percepção. Diz que a solidariedade humana urge para mitigar as nossas aflições contemporâneas. Então, diante da enxurrada de denúncias de mau comportamento de agentes públicos que os meios de comunicação há bastante tempo vêm veiculando, o “homem comum” precisa se esforçar para, despindo-se o quanto puder das paixões de que é refém, vislumbrar quem detém a verdade e qual verdade, ou seja, enxergar a possível realidade. *Professor e editor Fonte: Jornal Zero Hora - nº16057 - 9 de Agosto de 2009.

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