sábado, 30 de maio de 2009

Conhecimento de si Mesmo

Sérgio Biagi Gregório

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo é dar ênfase à tomada de consciência de nossas potencialidades e de nossos limites, no sentido de fazermos uma avaliação mais serena e mais tranqüila de nós mesmos. Os tópicos a serem abordados são: conceito de conhecimento, Sócrates e o Conhece-te a ti mesmo, Senso Crítico e Como Conhecer-se.

2. CONCEITO

Conhecimento. 1. Ato ou efeito de conhecer. 2. idéia, noção. 3. Informação, notícia, ciência. 4. Filos. No sentido mais amplo, atributo geral que têm os seres vivos de reagir ativamente ao mundo circundante, na medida da sua organização biológica e no sentido da sua sobrevivência 5. Filos. Apropriação do objeto pelo pensamento, como quer que se conceba essa apropriação: como definição, como percepção clara, apreensão completa, análise etc. (Dicionário Aurélio)

Conhecimento de si mesmo. [Nosce te ipsum]. Conceito que se encontra inscrito no pórtico do Santuário de Delfos, em grego: "Gnôthi seauton" e que significa: "Conhece-te a ti próprio", estrutura moral da filosofia de Sócrates, na sua escola maiêutica. (Equipe da FEB, 1995).

3. FILOSOFIA E HISTÓRIA DA FILOSOFIA

Enquanto a Ciência tenta explicar como se dão os fatos, construindo a partir de um objeto e do saber que num momento se possui acerca dele, medindo-os, comparando-os e classificando-os, a Filosofia, que trata dela mesma, quer saber porque se deram desta forma e não de outra. Assim, para que possamos penetrar no "conhece-te a ti mesmo" de Sócrates, temos de colocá-lo dentro de um contexto geral, pois a Filosofia parte de coisas já conhecidas, e segue pelas descobertas de outros filósofos como que acrescentando algo ao já existente.

Os pensadores que precederam Sócrates queriam descobrir o princípio das coisas. Este princípio é expresso, para cada um deles, nos seguintes termos: para Tales de Mileto, o princípio de tudo era a água; para Anaximandro, o infinito, o ilimitado; para Anaxímenes, o ar, o fogo, as nuvens e a rocha; para Pitágoras, o número; para Parmênides, o ente, o ser; para Heráclito, o ser dinâmico; para Empédocles, o ar, o fogo, a terra e a água; para Anaxágoras, tudo em todas as coisas; para Demócrito, o átomo – última divisão do ser.

Sócrates, por seu turno, faz o indivíduo voltar-se para si mesmo, a fim de conhecer-se melhor.

4. O PROBLEMA DO CONHECIMENTO

4.1. PENSAMENTO E VERDADE

Conhecer é reproduzir em nosso pensamento a realidade. Damos o nome de conhecimento à posse deste pensamento que concorda com a realidade. À concordância do pensamento com a realidade chamamos verdade.

Que é pensar bem? André Maurois, em A Arte de Viver, diz-nos que é chegar a fazer, de nosso pequeno modelo interior de mundo, uma imagem tão exata quanto somos capazes, do grande mundo real.

Que é verdade? Pauli, em Que é pensar, entende por verdade, no mais amplo sentido, a autenticidade que o conhecimento deve oferecer. Os dados são verdadeiros se são o que anunciam. Se os dados, na hipótese do psicologismo, se comportam como dados puros, a autenticidade se encontra nesta pureza. Se os dados, na hipótese do intencionalismo, anunciam objetos, a autenticidade se encontra em efetivamente noticiá-los, não dizendo que noticiam (quando de fato não noticiam e enganam), nem dizendo que noticiam tal espécie de objetos (quando de fato noticiam outra espécie). (1964, p. 88 e 89)

4.2. ESTOQUE DE CONHECIMENTO

O conhecimento acumulado pela humanidade está registrado nos arquivos das bibliotecas espalhadas pelo mundo inteiro. Ele compõe-se de livros, revistas, jornais, periódicos etc. A invenção da imprensa por Johann Guttenberg (1398-1468) é responsável por esse fato, pois a nova técnica de produção literária propiciou a veiculação de uma grande quantidade de conhecimentos que até então estava adormecida. É que os trabalhos dos grandes pensadores, podendo ser duplicados com mais facilidade, aumentou sobremaneira o número de obras à disposição da população.

4.3. AQUISIÇÃO, RETENÇÃO E UTILIZAÇÃO DO CONHECIMENTO

O conhecimento pode ser adquirido de forma empírica, vulgar, intelectual, científica e intuitiva. Porém, a freqüência em cursos, a pesquisa em livros e os diversos tipos de conversações fazem-nos penetrar objetivamente no estoque de conhecimento acumulado pela humanidade. Além do mais, a associação de idéias que dessas pesquisas advém, aumenta ainda mais esse estoque.

A retenção do conhecimento envolve não só o interesse acerca de um assunto como também a apreensão de técnicas de memorização das informações. Lembremo-nos de que nem sempre uma boa memória é sinal de grande inteligência. É o caso do médico, de excelente memória, que tinha dificuldade em prescrever uma receita médica.

A utilização do conhecimento deve ser sempre para o bem, procurando-se não colocar a candeia debaixo do alqueire. (Lessa, 1960, p. 240 a 246)

5. DA MAIÊUTICA SOCRÁTICA AOS AUTOMATISMOS DA VIDA PRESENTE.

5.1. MAIÊUTICA

Como vimos anteriormente, os ensinamentos e reflexões dos primeiros filósofos se voltaram para os problemas do ser, do movimento e da substância primordial do mundo, a "physis", procurando dar-lhes uma explicação racional. Entre tais mestres, situamos Heráclito, Pitágoras e Demócrito. Sócrates, dizia ser boa, mas queria apresentar algo mais substancioso, ou seja: o homem deveria voltar para si mesmo.

Conhece-te a ti próprio é o dístico colocado no frontispício do oráculo de Delfos. Após a visita de Sócrates a este templo, emanam-se dois diálogos, que podem ser encontrados em: Platão (Alcibíades, 128d-129) e Xenofontes (Memoráveis, IV, II, 26).

Sócrates procura o conceito. Este é alcançado através de perguntas. As perguntas têm um duplo caráter: ironia e maiêutica. Na ironia, confunde o conhecimento sensível e dogmático. Na maiêutica, dá à luz um novo conhecimento, um aprofundamento, sem, contudo, chegar ao conhecimento absoluto.

5.2. REFLEXÃO

É uma volta sobre si mesmo. A reflexão seria mais perfeita se fosse somente sobre o próprio pensamento, sem a intervenção dos sentidos; mas, como o pensamento e os sentidos são inseparáveis, de qualquer forma é uma reflexão.

A reflexão faz-nos comparar e raciocinar, a fim de chegarmos a um acordo com a nossa própria consciência. (Pauli, 1964, p. 88)

5.3. HERANÇA E AUTOMATISMO

O princípio inteligente estagiando no reino mineral adquiriu a atração; no reino vegetal, a sensação; no reino animal, o instinto; no reino hominal, o livre-arbítrio, o pensamento contínuo e a razão. Hoje, somos o resultado de toda essa herança cultural.

Nosso passado histórico propiciou-nos a automatização de hábitos e atitudes. É nossa herança, que começa desde o reino mineral. Há hábitos positivos e negativos. Os positivos devem ser incrementados; os negativos, extirpados. A função da reforma íntima, no seu sentido amplo, é melhorar o reflexo condicionado, arquitetado pelo nosso Espírito.

A lei do progresso exige que o princípio inteligente vá-se despojando dos liames da matéria. Para que tenhamos um olhar crítico, devemos libertar-nos da obscuridade da matéria, consubstanciada no egoísmo, no orgulho e no interesse próprio. (Xavier, 1977, p. 39)

5. COMO CONHECER-SE

De acordo com Peres, no capítulo I do seu Manual Prático do Espírita, podemos nos conhecer:

6.1. PELA DOR

a dor é teleológica e leva consigo um destino. Por ela podemos saber o que fomos e, também, o que tencionamos ser. Ela é sempre positiva; no sofrimento, estamos purgando algo ou preparando-nos para o futuro.

6.2. CONVÍVIO COM O PRÓXIMO

Podemos avaliar-nos, observando as reações dos outros com relação às nossas atitudes.

6.3. AUTO-ANÁLISE

A auto-análise fundamenta-se numa cosmovisão transcendental da vida. A compreensão integral do homem se apoia em três esteios fundamentais: filosófico: paz com a verdade; o psicológico: paz consigo mesmo; religioso: paz com o ser transcendental.

São técnicas que permitem o homem chegar a autenticidade de sua doença, não de tirar o homem da doença.

As questões 919 e 919A de O Livro dos Espíritos auxiliam-nos a praticá-la. Santo Agostinho sugere que todas as noites devíamos revisar o dia para ver como fomos em pensamentos, palavras e atos.

7. CONCLUSÃO

Embora haja dificuldade de conhecermos a nós mesmos, uma avaliação serena de nossa dor e do nosso relacionamento com o próximo pode oferecer-nos uma luz no fim do túnel. Além do mais, tomando consciência de nossa ignorância, estaremos alicerçados para detectar a nossa verdadeira capacidade.

8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

EQUIPE DA FEB. O Espiritismo de A a Z. Rio de Janeiro: FEB, 1995. FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [s. d. p.] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. São Paulo, FEESP, 1972. LESSA, G. Em Busca de Claridade. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1960. PAULI, E. Que é Pensar (Teoria Fundamental do Conhecimento). Florianópolis, Ed. Biblioteca Superior de Cultura, 1964. PERES, N. P. Manual Prático do Espírita. São Paulo, Pensamento, 1984. SAUVAGE, M. Sócrates e a Consciência do Homem. São Paulo, Agir, 1959. XAVIER, F. C. e VIEIRA, W. Evolução em Dois Mundos, pelo Espírito André Luiz, 4. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1977.

São Paulo, 10/07/1988

Diálogo sobre o Conhece-te a Ti Mesmo

I

Sócrates — agora, qual será a arte pela qual poderíamos nos preocupar conosco?

Alcibíades — Isto eu ignoro.

Sócrates — Em todo o caso, estamos de acordo num ponto: não é pela arte que nos permita melhorar algo do que nos pertence, mas pela que faculte uma melhoria de nós mesmos.

Alcibíades — Tens razão.

Sócrates — Por outro lado, acaso poderíamos reconhecer a arte que aperfeiçoa os calçados, se não soubéssemos em que consiste um calçado?

Alcibíades — Impossível.

Sócrates — Ou que arte melhora os anéis, se não soubéssemos o que é um anel?

Alcibíades — Não, isto não é possível.

Sócrates — Entretanto, será fácil conhecer-se a si mesmo? E teria sido um homem ordinário aquele que colocou este preceito no templo de Pytho? Ou trata-se, pelo contrário, de uma tarefa ingrata que não está ao alcance de todos?

Alcibíades — Quanto a mim, Sócrates, julguei muitas vezes que estivesse ao alcance de todos, mas algumas vezes também que ela é muito difícil.

Sócrates — Que seja fácil ou não, Alcibíades, estamos sempre em presença do fato seguinte: somente conhecendo-nos é que podemos conhecer a maneira de nos preocupar conosco; sem isto, não o podemos.

Alcibíades — É muito justo.

Platão, Alcibíades, 128d-129

II

— Dize-me Eutidemo, estivestes alguma vez em Delfos?

— Duas vezes, por Zeus!

— Viste, então, a inscrição gravada no templo: conhece-te a ti mesmo?

— Sim, certamente.

— Esta inscrição não te despertou nenhum interesse, ou, ao contrário, notaste-a e procuraste examinar quem tu és?

— Não, por Zeus! Dado que julgava sabê-lo perfeitamente: pois teria sido difícil para eu aprender outra coisa caso me ignorasse a mim mesmo.

— Então pensas que para conhecer quem somos, basta sabermos o nosso nome, ou que, à maneira dos compradores de cavalo que não crêem conhecer o animal que querem comprar antes de haver examinado se é obediente, teimoso...

— Parece-me, de acordo com o que acabas de dizer-me, que não conhecer o próprio valor equivale a se ignorar a si mesmo.

— Os que se conhecem sabem o que lhes é útil e distinguem o que podem fazer daquilo que não podem: ora, fazendo aquilo de que são capazes, adquirem o necessário e vivem felizes; abstendo-se daquilo que está acima de suas forças não cometem faltas e evitam o mau êxito; enfim, como são mais capazes de julgar os outros homens, podem, graças ao partido que daí tiram, conquistar grandes bens e livrar-se de grandes males... Contrariamente, caem nas desgraças.

Xenofonte, Memoráveis, IV, II, 26.

Fonte: SAUVAGE, M. Sócrates e a Consciência do Homem. São Paulo, Agir, 1959.

Fonte: http://www.ceismael.com.br/filosofia/filosofia016.htm

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